Obrigado, Gabino!
Por Marcelo Castello Branco
O salão era muito grande, típico daqueles hotéis americanos enormes, e como estávamos em Este – Oeste era nossa missão cruzá-lo de lado a lado a cada grito do diretor.
– Next round, folks! Move!
Era a última rodada da final da Olímpiada de Duplas de 1978 e como havíamos dormido em segundo lugar, naturalmente havia alguma tensão nos nossos rostos.
Enquanto procurávamos a próxima mesa, não nos olhávamos nem comentávamos nada para não quebrar o momento mágico – o jogo estava correndo muito bem.
No máximo um pequeno riso, uma rápida trocar de olhar, como a dizer;
– Você sabe né? Estamos com chance de ganhar.
Acaba o torneio.
Outros tempos, nada de computador, apuração manual. Na “unha” mesmo.
– E muitos vêm nos perguntar? E aí como foram, vai dar para ganhar?
Em uníssono, respondíamos:
– Calma gente, fomos bem, sim, mas vamos esperar o resultado.
Os minutos passam.
Primeiro boato: trazido por Lia, mulher de Gabino:
– Parece que vocês ganharam, mas não estão acreditando. Estão trancados numa sala, apurando o torneio inteiro de novo.
Tempo que passa e um dos diretores sai da tal sala e me olha como se eu fosse um marciano.
Hmm… pensei: marciano não chega em segundo lugar…
Em seguida sai Sammy Kehela, olha para Lia e dá uma rápida piscada de olho.
Logo em seguida a confirmação e o banho de champagne!
Eu e Gabino nos entreolhamos e só dissemos:
– PQP parece que a gente ganhou mesmo esse troço!
E que vitória merecida!
Conto que esse momento tão espetacular, tão feliz, que vivi com Gabino Cintra apenas como introdução.
Digo introdução, pois esta vitória e esse momento foram construídos muitos anos antes.
Foi Gabino, meu primo, que introduziu a mim, a meu irmão Pedro, a meu cunhado Emílio, a minha mãe, a minha irmã Anna Maria e ao meu pai ao Bridge.
Na casa de meus pais, Pedro e Altina, jogar cartas era um motivo não só de diversão como de união e atração para muitos. Casa sempre aberta, sem chaves nas portas, feliz, onde um carteado ingênuo e saudável corria solto.
Gabino e Nelson, seu irmão, eram assíduos. Mais tarde surgiu Lia, então sua namorada.
Certo dia, Gabino entra em minha casa e diz:
– Chega de Poker, King e Oh hell!. Vamos jogar Bridge, trouxe uma apostila para aprendermos.
Tratava-se de algo rústico – algumas folhas datilografadas com as regras do jogo e os princípios básicos de leilão.
Reagimos: que é isso Gabino, que jogo complicado! Mas, aos poucos, com sua inteligência excepcional, nos foi convencendo, mostrando as belezas, as sutilezas e os mistérios do jogo.
Rendemo-nos!
A partir daí as aventuras foram muitas – torneios, campeonatos, viagens e jantares deliciosos sempre desfrutando da sua companhia.
Vitórias? Muitas.
Derrotas também, mas quem teve o privilégio de fazer parte da equipe Gabino Cintra e Christiano Fonseca; PP Assumpção e Gabriel Chagas; meu irmão Pedro e eu ,sabe que valeu a pena!
Muitos que não tiveram tal oportunidade, brasileiros e estrangeiros, sempre reconheceram em Gabino, o seu talento, a sua postura ética irretocável e a sua elegância no jogo.
E, fora da mesa, a sua personalidade divertida, generosa e cativante.
Gabino Cintra é, e será sempre lembrado, como uma dessas figuras lendárias do Bridge.
E ele, sem dúvida, merece.
Eu, que tive a sorte de com ele conviver como amigo e parceiro, só tenho a dizer:
Obrigado, Gabino !
(Artigo publicado por Fernando Lema no portal da Confederação Sul-Americana de Bridge, CSCnews, com verões também em inglês e espanhol)